/notícias
O art. 57 da Lei 11.101/05 (LRF) indica, em sua redação, a necessidade de apresentação de certidões negativas de débitos tributários (CND’s) após a aprovação do Plano de Recuperação Judicial em Assembleia-Geral de Credores ou após decorrido o prazo previsto no art. 55 sem objeção dos credores ao Plano; neste sentido, a concessão da recuperação judicial dar-se-ia apenas após a apresentação das CND’s ao juízo da recuperação judicial.
A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no entanto, desde o julgamento do Recurso Especial n.º 1.187.404 – MT, em 21/8/2013, havia consolidado entendimento que afastava a necessidade de apresentação das certidões negativas de débitos tributários para concessão da recuperação judicial, sustentando que a interpretação literal do art. 57, em conjunto com o art. 191-A do Código Tributário Nacional, inviabilizaria toda e qualquer recuperação judicial. Argumentou-se, naquele momento, que o art. 47 da Lei 11.101/05, que trata da superação da situação de crise econômico-financeira da empresa devedora, “serve como norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial”. Além disso, pontuou-se a inexistência de lei específica que disciplinava o parcelamento da dívida fiscal e previdenciária de empresas e recuperação judicial, ou seja, o parcelamento tributário, que seria direito da empresa em recuperação judicial, não existia, de modo que eventual descumprimento do art. 57 da LRF não poderia ser atribuído às devedoras enquanto inerte o legislador.
A mora que, em tese, suspendia a incidência do art. 57 da LRF, cessou, já que o legislador editou a Lei de Parcelamento (Lei 13.043/2014). Ainda assim, a jurisprudência seguiu considerando inexigível a apresentação de CND’s para a concessão da recuperação judicial, inferindo que os parcelamentos concedidos não atenderam à finalidade orientada pelo princípio da preservação da empresa, insculpido na LRF, justificando que as condições de pagamento não eram suficientes (o prazo de parcelamento era de 84 meses, enquanto outros programas como o “PROFUT” e o “REFIS” apresentavam prazo de pagamento de 180 e 240 meses, respectivamente). Além disso, a Lei 13.043/2014 impunha a desistência de qualquer discussão administrativa ou judicial acerca do débito, exigência que as empresas em recuperação judicial defendiam ser inconstitucional.
Mais recentemente, a Lei 14.112/20, além de introduzir reformas na LRF, promoveu a alteração no art. 10-A da Lei 10.522/02, permitindo ao empresário ou à sociedade empresarial que ajuizou ou teve deferido o pedido de recuperação judicial o parcelamento de todos os seus débitos com a Fazenda Nacional em até 120 prestações mensais, aumentando, portanto, o prazo anterior de 84 meses.
Mesmo após a entrada em vigor da Lei 14.112/20, entretanto, o STJ, inicialmente, atento às dificuldades das empresas em recuperação judicial e na operacionalidade do instituto, a permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, “promovendo, assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”, apresentou decisões em consonância com o entendimento consolidado ainda em 2013: a exigência da comprovação da regularidade fiscal do devedor não teria peso suficiente para preponderar sobre o direito do devedor na busca pelo soerguimento, sobretudo em função da relevância da função social da empresa e do princípio da preservação da empresa que norteia a LRF.
Atualmente, todavia, passados mais de 10 meses da entrada em vigor da Lei 14.112/20, os precedentes mais recentes de diversos tribunais país a fora indicam que a dispensa de apresentação de certidões negativas de débitos tributários para homologação do Plano de Recuperação Judicial não poderá mais prevalecer. Essa dispensa, antes corriqueira, permitia que as execuções fiscais tributárias prosseguissem em face da empresa em recuperação judicial; habitual também era, no entanto, que o credor fiscal não conseguisse satisfazer seus créditos pela constrição dos ativos do devedor, já que, em grande parte das vezes, a execução fiscal de créditos tributários recaía sobre bens indispensáveis à atividade econômica da sociedade empresária.
O Tribunal de Justiça de São Paulo aponta, neste sentido, que “não se pode permitir que a regularização da atividade empresarial seja realizada exclusivamente em relação aos créditos privados e às custas dos créditos tributários, considerados pelo Legislador como mais privilegiados”. Nesta orientação, a fim de que se obter solução adequada para o pagamento dos débitos tributários, determinou que caberá às empresas em recuperação judicial juntar as certidões negativas de débitos tributários, conforme a exigência do art. 57 da Lei 11.101/05, ou, ao menos, comprovar o parcelamento dos débitos tributários. Os Tribunais de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e do Paraná, paralelamente, também estão mudando seus antigos entendimentos, definindo a necessidade de apresentação das CND’s.
É razoável conjecturar, por toda a exposição, que o antigo entendimento consolidado do STJ, que afastava a necessidade de apresentação das certidões negativas de débitos tributários para concessão da recuperação judicial, provavelmente será abandonado pelos Tribunais de Justiça e, em consequência, pela Corte Superior. Será necessário, portanto, que as empresas que pretendam ajuizar pedido de recuperação judicial – ou mesmo aquelas recuperandas que ainda não obtiveram a aprovação do Plano de Recuperação Judicial – observem a possibilidade da exigência da regularidade fiscal para concessão da recuperação judicial, devendo considerar, portanto, celebrar acordos com o Fisco, com intuito de não frustrarem a viabilidade ou a continuidade do procedimento recuperacional.
RENATO NEUMANN
10 DE SETEMBRO DE 2021