/notícias

Insolvência Transnacional: a adoção da Lei Modelo da UNCITRAL

A United Nations Comission on International Trade Law (UNCITRAL) estabeleceu, em 1997, a “Lei Modelo sobre Insolvência Transnacional”, criando orientações para modernizar o Direito Comercial dos países membros, com um guia sobre a legislação aplicável à insolvência transnacional, com o intuito de promover a coordenação entre jurisdições. A lei – enquadrada na categoria de soft law – é consubstanciada por diretrizes emanadas sem efeito vinculante aos Estados signatários, flexíveis e adaptáveis à realidade e circunstâncias sociais, políticas, econômicas e culturas de cada país que as adotar.
Não havia no Brasil, até a reforma da Lei 11.101/05 (LREF), disposições que indicassem a previsibilidade da cooperação e coordenação entre jurisdições de diferentes Estados que intervissem em casos de insolvência internacional. A Lei 14.112/20, que fez profundas alterações na legislação brasileira, passou a regular, de maneira pormenorizada, a insolvência transnacional, sendo o Brasil o 49º país a adotar as regras da UNCITRAL para o tratamento de falências e recuperações empresariais com implicações transnacionais.
Rememora-se que os projetos de Lei do Código Comercial da Câmara (Projeto de Lei n.º 1.572/2011) e do Senado (Projeto de Lei n.º 487/2013) já pretendiam a adoção da Lei Modelo da UNCITRAL. Nesta orientação, portanto, a insolvência transnacional acabou sendo disciplinada nos artigos 167-A a 167-Y da Lei 11.101/05, inseridos pela Lei 14.112/20, adotando-se a Lei Modelo da UNCITRAL.
O propósito da Lei Modelo, que influencia diretamente a legislação brasileira atual, é orientar os Estados a aprimorarem suas leis de insolvência com uma estrutura legal moderna para tratar de maneira mais eficaz os processos de insolvência transnacionais, concentrando-se em autorizar e incentivar a cooperação e coordenação entre jurisdições, em vez de tentar a unificação da lei material da insolvência, respeitando as diferenças entre as leis processuais nacionais.
Caraterística importante desta Lei Modelo, que foi seguida pela Lei 14.112/20, é a possibilidade de coexistência de mais de um processo simultaneamente (processo principal e processo não principal), sendo critério para definir o processo como principal o local em que o devedor tenha o seu centro de interesse principal. Ademais, a Lei 14.112/20 traz alguns elementos fundamentais da insolvência transnacional que merecem ser citados: (i) acesso à jurisdição, (ii) reconhecimento de processos estrangeiros, (iii) cooperação com autoridades e representantes estrangeiros e a (iv) disciplina dos processos concorrentes.
Registra-se, neste sentido, que o primeiro grande precedente após a reforma foi exarado pela 3ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, que, em decisão inédita, no processo de n.º 0129945-03.2021.8.19.0001, reconheceu um processo de insolvência transnacional e suspendeu, de forma liminar, quaisquer processos de execução ou outras medidas de credores contra uma empresa situada em Singapura (Prosafe SE), perfilhando-se, de forma expressa, ao amparo da Lei Modelo da UNCITRAL e nas recentes modificações da LREF. A sociedade empresária havia formulado ação de reconhecimento de processo de insolvência estrangeira, indicando que os bens mais importantes da companhia e de suas subsidiárias eram as embarcações, encontrando-se três delas próximas à costa do Rio de Janeiro. Pontuou-se, também, que o Tribunal Superior de Singapura concedeu as medidas no procedimento recuperacional e assegurou a continuidade da atividade empresarial.
Por fim, assinala-se que a incorporação da Lei Modelo da UNCITRAL significa um avanço para a uniformidade legislativa e permitirá a criação de instrumentos de cooperação jurídica internacional, reforçando a tão necessária segurança jurídica.

AUGUSTO VON SALTIÉL
15/11/2021